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LEVE
(poemas)
Independente, 2006 | 103 p.
CRÍTICAS/RESENHAS:
A insustentável leveza da palavra
Ronaldo Cagiano - Escritor, para o Correio Braziliense
O universo visual é suporte essencial para a obra poética de Marcelo Sahea, uma criação que dilui texto e imagem, entabulando uma profunda investigação estética sobre a realidade.
Poesia feita de símbolos, referenciais, totens e ressonâncias do quotidiano, surge como inventário dos signos de uma época seduzida pelo consumo e o desejo, rescaldo da pós-modernidade, do pós-industrial, do pós-tudo. É, primordialmente, uma crítica irônica e bem humorada, do escalonamento de valores e das ambivalências que tanto influenciam a arte na arte, a cultura e a vida contemporâneas.
Com uma praxis ousada e perplexa, permeada de rupturas e sintonizada com a vanguarda, Sahea faz também passeio por várias experiências, sem renegar a tradição.
Ao contrário, renova e inova, na medida em que estabelece um diálogo tanto com os movimentos literários e escolas distintos (do verso livre, ao haikai e ao soneto, passando pelo poema gráfico, o concretismo, a metalinguagem), quanto realiza uma sinergia com outras artes e modelos de comunicação (como a arquitetura, o cinema, a pintura, a publicidade, o grafismo, a tv etc).
Na sua estrutura poética, a economia de meios não significa a recusa da palavra nem somente a apologia da imagem. Constitui-se num sistema de vasos comunicantes, uma simbiose , uma interação do visual, do sensorial, do verbal e do emocional.
Do vazio nascem sentenças que lançam luzes sobre o quotidiano e a linguagem ganha sentido na medida em que o leitor penetra no imaginário do autor e vê na sua poesia uma reflexão sobre o lugar, o valor e a função da poesia e, com isso, faz pensar sobre o destino da própria arte.
Na composição de sua obra poética, interagem o macrocosmo - de onde recolhe símbolos e resquícios da memória e da experiência existencial, que se convertem em verso ou forma; e o microcosmo – garimpagem do inconsciente e das experiências emocionais imediatas, que se traduzem em projeto crítico.
Leve, que aprofunda a radicalidade de seu primeiro livro Carne viva, constitui-se num mosaico: peças que se encaixam a partir da percepção do mundo que nos cerca, na linha de provocações poéticas, com um olhar cirúrgico e algumas pinceladas filosóficas.
Nesse percurso onírico, o poético e o profético se metabolizam - da expressão verbal e da pulsação concreta da forma, surge o gesto de rebeldia. É a poesia como fluxo ininterrupto de uma sensibilidade que ultrapassa o cerne das coisas e se converte em salto dialético, transcendência, mergulho metafísico e exegese da realidade social e política.
A poesia de Marcelo Sahea assimila integralmente a prática mallarmesiana da depuração e exige sempre mais que curiosidade pelo impacto provocado. Impõe-nos um olhar sensível, porque esse minimalismo concentra todas as possibilidades da palavra e comunica plenamente os universos do autor. Sua poesia, impregnada de silêncios e ausências tem o mérito de acicatar a nossa consciência, porque carrega em si a musicalidade, os significados, as sutilezas semânticas e o choque que nenhum discurso palavroso é capaz de revelar.
Todas as auras do livro
Marcelo Ariel - Poeta e Escritor
Em Leve, Marcelo Sahea continua sua apaixonada transfiguração da linguagem em design... Sua poética é uma bem-sucedida tentativa de transfigurar a linguagem em um signo da vida...
Pois é, meus caros..Nem sempre o que sai de nossas bocas está vivo...Nós estamos?
Há uma ontologia do poema que se insinua aqui...Em alguns momentos Sahea evoca o fantasma amarelo de Tristán Corbiére ( Pág. 29) , em outros se converte no melhor herdeiro de Auguste Des Champs ( Das págs 50 à 75). mas calma com o andor...Leonor... Há um belo eco visual de Mallarmé na pág. 79 e outro de uma canção ainda não gravada por Walter Franco na 97...
Ah, e já ia me esquecendo, na págs. 15 e 23 consegui ouvir a voz de Gláuber lendo os poemas dele num filme estático...Esse livro do Sahea tem múltiplas auras..lá fora...
Poesia e poema-objeto
Amador Ribeiro Neto - Jornal A União, João Pessoa
A poesia visual é uma das primeiras formas de manifestação da poesia. Depois veio o monopólio da palavra. E do raciocínio lógico. A imagem dançou. Foi preciso que as vanguardas do início do século XX surgissem valorizando a analogia, a similaridade, o icônico para que a poesia visual voltasse aos livros. E agora, à Internet, de onde parece que ter surgido, séculos e séculos, "avant la lettre".
No Brasil foi a Poesia Concreta, explorando as fontes no branco das páginas e explodindo a sintaxe convencional, que abriu campos e espaços para a Poesia Visual.
Marcelo Sahea é um poeta visual e um poeta concreto. Seu livro "Leve" intercala estes dois tipos de poesia numa boa, num convívio criativo que instiga, provoca, cutuca o leitor. Sahea sabe manipular tanto a palavra como as imagens, aumentando a taxa de informação do leitor com inteligência e sensibilidade. E beleza.
Seus poemas são sempre plásticos. Cada letra, cada fonema, cada imagem é trabalhado com um zelo cool, leve, light, zen. Sem saturação imagética ou retórica.
Capa e contracapa de "Leve" são dois poemas visuais de grande concisão. Ambos formados pela junção de uma pedra e de um travesseiro. Na capa, a pedra está sobre o travesseiro. O poema-objeto intitula-se "Pesadelo". Na contracapa o travesseiro está sobre a pedra e deixa entrever apenas um pedacinho dela. O poema-objeto intitula-se "Sonho". Com apenas 2 objetos os poemas comunicam uma variedade imensa de possibilidades de leitura: o peso do pesadelo (observe-se para o anagrama verbo-visual que há neste trocadilho: a palavra Peso está inserida na palavra Pesadelo, tensinonando uma significação maior para ambos os termos). "Sonho" tem a leveza do travesseiro estufado, mas deixa à mostra uma lasca da pedra: no sonho está sempre presente a possibilidade do pesadelo. Consciente e inconsciente copulam entre si.
O mesmo laconismo aparece no jogo com a palavra "chão", cujo til é deslocado para a superfície inferior da página seguinte, como a dizer "xau" (o cumprimento para tchau ou ciao) e "chao" (nome próprio; no caso vale também para um dos ícones da canção popular argentina, que gosta de ser engajado, melhor: que gosta de ser "chão"). Os trocadilhos verbo-visuais fazem da poesia e do poema-objeto de Marcelo Sahea um jogo pós-moderno de instar e desinstalar significados e sentidos. Quase sempre um chiste poéticobjeto-identificado. Enfim: um livro para ver e ler. Melhor: para "vler", como diz Décio Pignatari. Ele, também, poeta concreto e poeta visual.
Poesia visual ganha vigor e foge do comum pelas mãos de Marcelo Sahea
Astier Basílio - Jornal da Paraíba
A poesia visual encontrou seu lugar na história da literatura e ponto final? Parece que não. A potencialidade de exploração do signo poético ganha vigor pelas mãos de Marcelo Sahea que lança o belo Leve (edição do autor, Brasília, 99 págs).
Mais do que apenas experimentalismo ou manuseio de recursos gráficos modernos, Sahea extrapola as potencialidades poéticas de seus textos dotando-os de outros elementos. Despojado, mas em todo tempo senhor consciente de todos os recursos que a linguagem poética tem a oferecer.
Em um de seus poemas-visuais, há uma imagem em que uma pegada se funde com o sinal de interrogação, nos indicando que o caminho a ser perseguido é o do questionamento, da dúvida. Sua poesia foge dos lugares-comuns da poesia visual e "entra pela saída", remasterizando símbolos, sob o prisma da ironia, como na imagem do planeta terra ladeada por garfo e faca, numa espécie de cartaz para o grande self-service do pós-modernismo.
O "leve" que perpassa o livro desde o título não é concessão, nem ausência de densidade. É antes a consciência do inacabado, a certeza de que ": nada/ É/ importante". Em um poema Sahea declara: "tudo/ por castelos/ de areia".
Numa metáfora genial fundindo esforço cerebral à inspiração, o poeta afirma de modo brilhante: "o poeta/ é o cavalo/ do verbo".
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